A pequena casa de madeira tremia ritmicamente, sem nenhuma explicação. Abelardo e Aleixo estavam tentando tomar café, mas os tremores faziam-nos ficar desajeitados. Alfonso, o pai dos dois, estava acendendo a pequena lareira que tinham quando eles começaram. Eram pequenos, de fato, mas faziam o café e a xícara balançarem.
Viviam na Alemanha socialista, dividida pelo Muro de Berlim. A mãe de Abelardo e Aleixo um dia passara por perto do tal muro segurando comida, mas um dos soldados a confundiu com um rebelde e atirou nela. Alfonso tentara ser forte e ainda tentava até hoje. Mas, com as crises econômicas, não vinha tendo uma vida muito boa ali, sempre pensava em como pôde chegar a tal ponto o socialismo. Aleixo bebericou do café.
“O que será?” perguntou Aleixo, em seu alemão de dar inveja, sobre os tremores.
Alfonso foi até a janela para espiar a rua de pedra de sua casa. Nada além de uma fina névoa estava diferente. Um ou dois carros passavam normalmente, mas os tremores continuavam.
“Não sei, vou até a praça, saber o que está acontecendo.” respondeu o pai.
“Vamos com você!” em uníssono, Abelardo e Aleixo se auto convidaram.
Vestiram grossos casacos e saíram para as ruas, todos duvidosos sobre o que encontrariam. Caminharam por pouco tempo, até avistar ruas lotadas de gente que corria para a mesma direção.
“Fim ao socialismo!” gritavam uns, “Liberdade de expressão!” gritavam outros, mas todos gritavam sorrindo, sem exceções. A família alemã ficou parada assistindo enquanto todos aqueles homens e mulheres corriam e corriam para um lugar que Abelardo, Aleixo e Alfonso não tinham a menor ideia. Até que, correndo feito um maluco, Alfonso encontrou um velho amigo, segurou-o pelo braço e perguntou meio tenso:
“Para onde vocês todos estão indo? O que está acontecendo?”.
O homem olhou-o como quem olha um louco.
“Meu velho, estamos indo para a salvação! Conseguimos quebrar o muro! O muro!” gritou e logo reiniciou a corrida, deixando a família pasma.
Alfonso olhou para Abelardo, que retribuiu o olhar e olhou para Aleixo, que olhou para o pai. Depois os três começaram a correr junto com a população, juntos e sorrindo. Um homem no meio de uma rua próxima ao Muro de Berlim estava distribuindo picaretas, pedras grandes e alguns martelos para as pessoas que, após aceitarem, logo foram derrubar o muro. Alfonso pegou uma grande pedra, assim como os filhos. Chegaram ao muro gritando de felicidade e xingando os políticos do socialismo real. Cada um pegou sua pedra e começou a violentar o muro com força. Abelardo escalou o muro e ajudou um ferreiro a fazer um buraco completo no meio daquele que havia dividido dois sistemas. Não haviam defensores ali, só os rebelados. O muro foi caindo, aos poucos, destruído por milhões de moradores enfurecidos com a falta de liberdade no país.
Eles sabiam que estavam mudando o curso da História, mas pouco se importavam. Eles apenas queriam ter liberdade, apenas serem livres. Não queriam mais ser obrigados a ficar calados, nem a ficar sem comida ou salário. Eles batalhariam, mas agora livres, e não dependentes do Governo.
Ao anoitecer, os três homens voltaram para casa segurando um pedaço do que fora o muro, e o quebraram no chão, até ficarem em pó. Viam muitos repórteres entrevistando algum morador ou moradora e todos sorrindo pulando.
Alfonso voltara para casa, sabendo que sua vida iria mudar, mas mudar para melhor. Iria com os filhos o quanto antes para a parte capitalista da Alemanha, fugir daquilo, apenas fugir. Ele não seria explorado novamente e viveriam, talvez, uma vida digna e justa. Ele iria poderia trabalhar para se sustentar, poderia ter um pouco de descanso em relação a crises. Enfim, poderia muito.
Mas, o melhor de tudo, era que agora, não estaria mais calado.
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