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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O solitário.

 Desamarrou os sapatos e jogou-os em qualquer parte da cobertura daquele prédio, antes de se aproximar da ponta do edifício. O paletó balançou com força por causa do vento que emanava daquela altura. Os cabelos escuros e sedosos do executivo estavam agora em frente ao seu rosto, em movimento infinito. Afrouxou a gravata com a mão direita, e com a esquerda conseguiu tirar o paletó. Já tinha se decidido sobre aquilo.
 A pouco, fechara uma reunião de negócios, de grande importância, a seu favor. Sempre fora assim, fazendo com que os outros mortais o obedecessem, menos sua mulher, por quem ele fora apaixonado. Até que ele descobriu que ela o havia traído.
 Foi em um dia de festa, quando ele chegou em casa mais cedo e a encontrou com outro em sua cama. Expulsou os dois, sem demora, mas chorara depois, como nunca havia chorado, ela era a única pessoa que o tratava diferente. Mas ela se revelou uma mulher sem sentimentos, depois de lutar pela guarda do filho na justiça e ter ganhado, nunca dirigindo a palavra a ele.
 Alguns cascalhos caíram pelo prédio e bateram na rua em alguns segundos. Deu um passo para o vazio pensando em seu filho, um garoto de oito anos com os cabelos do pai e as orelhas da mãe, como todos diziam.
 Era forte como um touro, o seu filho, mas magricela, como todos os outros de sua idade. Brincavam de bruxos, jedis, super heróis, e.t.s e milhões de outras brincadeiras. Até que ele foi levado pela mãe. Sua casa ficara vazia, solitária. Sua vida ficara vazia e solitária. Não tinha mais o seu parceiro de duelos, nem seu adversário no xadrez, não tinha mais o seu filho, o seu campeão.
 Inclinou-se para o precipício, com as mãos tremendo, e pensou em seu filho, um garoto de oito anos com os cabelos do pai e as orelhas da mãe, como todos diziam.
 Em seus quatorze anos, o filho do executivo já não dava atenção ao pai, ignorava-o. Chamava-o pelo nome e ao seu padrasto chamava de pai. Isso cortava mortalmente o interior do suicida, sempre que ouvia. Mas, mesmo com a ignorância, o garoto era seu filho, o seu campeão. E, em um dia feliz e alegre, seu campeão fora atropelado brutalmente, ficando paraplégico e em estado de coma. Depois de uma semana em coma, o garoto não resistiu às dores e faleceu. Fora o pior dia da vida do executivo.
 O vazio engoliu-o por alguns segundos depois do pulo, mas, como os cascalhos, atingiu a rua rapidamente.

3 comentários:

  1. A morte é como minúsculos cascalhos que caem de grandes prédios, tiram a beleza da pintura, mas em nossa condição tiramos sem pensar, a beleza da vida.

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