Um blog para ler e criticar, para e não se identificar, um blog de contos, textos e histórias.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Um Jovem Jornalista de Cabelos Loiros.

Era dia ainda. O rapaz de cabelos dourados tomava uma xícara de café e observava as pessoas que, dentro da pequena cafeteria, discutiam sobre coisas fúteis e problemas familiares.
 À direita, uma jovem encantadora de longos cabelos ruivos bebericava um suco do que o jovem supôs ser de laranja enquanto petiscava pedaços de um sanduiche e cuidava de orçamentos em seu notebook. Seu telefone tocou. Atendeu, aterrorizada, e digitou rápida e ferozmente, falando num tom baixo com a pessoa do outro lado da linha. Parou de falar, de repente. Fechou o computador, se levantou, andou em direção à porta e sussurrou um "sim" delicado.
 Na mesa ao lado, um advogado revia a papelada de um de seus casos mais importantes. Girou a aliança, num gesto nervoso, talvez lembrando algo com a esposa ou os filhos. Então, um garoto de aproximadamente 14 anos passou pelo atento homem de cabelos dourados e encaracolados e sentou-se à mesa do advogado. O homem ouviu duas frases que fizeram tudo se encaixar: "Finalmente eu encontrei você, pai. Onde esteve esses anos todos?"
 A garçonete da cafeteria servia café para quatro amigos numa mesa. Todos vestiam preto, dois homens e duas mulheres. Um dos homens segurava uma rosa branca, as mulheres tinham os olhos inchados e vermelhos e também caminhos marcados no rosto, caminhos de lágrimas. O homem com olhos atentos na cafeteria resolveu não mais incomodá-los com o olhar depois que percebeu o que acontecera. Morte. Uma palavra bastante comum numa cidade bastante comum.
 A única outra mesa ocupada abrigava dois idosos, um casal. O velho vestia um macacão sujo de poeira e rastros de sujeira e, a mulher, uma camisa listrada e uma calça jeans atual demais para
sua idade, ou ao menos era isso que as pessoas com o pensamento politicamente correto falariam, o estudante de jornalismo não. Ele gostava deles. Amor na terceira idade. Isso o encantava. Pensava que por eles estarem juntos, morreriam juntos, morreriam amando. Morte, de novo. A senhora carregava uma rosa azul e o homem a olhava com o brilho no olhar.
 O amor, não era nada comum nessa cidade comum. O amor. Era só para sortudos e bem-aventurados. Bem, o jovem de cabelos dourados era um sortudo porque, na hora que pensava nisso, o amor de sua vida surgia na rua, pronta para conversar sobre assuntos fúteis e problemas de família com ele.

domingo, 29 de abril de 2012

A Estranha

 A mesa estendia-se imensa por todo o cômodo com todas as suas cadeiras ocupadas, mas Lucy estava sentindo-se sozinha, vazia. Era o aniversário de sua velha amiga e fora animada, achando que seria um simples jantar com amigas conhecidas. Mas era uma estranha ali.
 Do outro lado da mesa de madeira, um garoto de mais ou menos treze anos espirrava sem parar, dizendo que odiava o nariz e dando indiretas para o pai sentado ao lado, este, nada se interessava no filho, a tia do garoto ria sem parar segurando um copo de cerveja que nunca se esvaziava por completo, outras tias e tios discutiam sobre assuntos políticos e mais outras pessoas discutiam sobre horários de televisão. Lucy tentava se socializar com as pessoas que não a conheciam, mas na maior parte do tempo, seu sorriso carinhoso desfazia-se quando alguém a ignorava ou não dava a atenção devida. Nem sua amiga conversava com ela direito. As muralhas da sociedade se fecharam para ela naquele momento. Observou novamente o garoto que espirrava. O pai dele dizia que era culpa do ventilador, e o menino ignorava, jogando um jogo de nave espacial no celular moderno do pai. Então Lucy pediu para a pessoa mais próxima desligar o ventilador que tanto incomodava o garoto, mas ela foi novamente ignorada, pois todos discordaram da sua opinião, até mesmo o garoto.
 Garoto, você devia prestar atenção nele pensava a idosa. Sorriu para o garoto, tentando demonstrar os pensamentos com o olhar. Talvez tenha conseguido, ou não, o fato era que o garoto parou de jogar e respondeu as perguntas do pai com simpatia. Sentia-se vitoriosa, mesmo que ainda estranha e solitária.
 Enfim, Lucy, o garoto e todos os outros se foram. Já era tarde da noite, todos tinham compromisso pela manhã do outro dia. Mas antes de sair, o garoto que tanto espirrava olhou para ela e acenou positivamente, sorrindo de volta. Aquilo abriu os portões da muralha.

terça-feira, 6 de março de 2012

Confie Na Escuridão

“Vá com calma, filho. Estou com você” falou o pai, sobre os gritos dos torcedores e com a mão no ombro do filho.
 O time ganhara, e as escadas estavam enfeitadas pelas cores rubro-negras, mas aquele local não deixava de ser perigoso. Estava tudo escuro e os degraus molhados de cerveja. O menino de apenas seis anos descia as escadas devagar e bem calado, segurando a mão do pai em seu ombro. Tinha o cabelo castanho claro liso e vestia o uniforme oficial do time, um jogador em miniatura. Era um garoto bastante vivo, mas naquele momento entendeu a preocupação do pai sem precisar de explicação.
 “Pise com cuidado, tá bom?” perguntou o seu pai.
 O menino virou a cabeça e falou sorrindo: “Tá certo, papai.”. Olhou para o chão e prosseguiu em sua descida. Os hinos do time enfestavam a pequena escada e o garoto já conseguia distinguir o fim de um dos lances de escada. Avisou o pai apontando o dedo para o lugar.
 “Meu Deus. Filho, vem cá.” falou o pai, antes de levantar o filho, avisá-lo para ter cuidado, coloca-lo nos ombros e descer os últimos degraus daquele lance.
 O piso estava totalmente molhado e lamacento, mas o pai se jogara na água, para atravessar. O filho observou tudo aquilo com grande orgulho, vendo a calça de seu pai ficar suja enquanto as outras crianças passavam correndo pela água.
 Ao atravessar, o pai colocou o filho no chão e continuaram a descer na escada, agora menos lotada. A mão no ombro do garoto era quente e o confortava, pois sabia que o seu pai estava ali, nem mais ninguém. Chegaram até o final da escada e seguiram em direção ao ônibus que os esperava para leva-los à capital. Muitas pessoas estavam aglomeradas no local de saída e logo o pai andava abraçado ao filho, numa tentativa de proteção. Passaram sem nenhum problema e entraram no ônibus. O filho foi para a janela e, quando o pai sentou, apenas falou:
 “Eu te amo, papai”.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A Queda do Muro

 A pequena casa de madeira tremia ritmicamente, sem nenhuma explicação. Abelardo e Aleixo estavam tentando tomar café, mas os tremores faziam-nos ficar desajeitados. Alfonso, o pai dos dois, estava acendendo a pequena lareira que tinham quando eles começaram. Eram pequenos, de fato, mas faziam o café e a xícara balançarem.
 Viviam na Alemanha socialista, dividida pelo Muro de Berlim. A mãe de Abelardo e Aleixo um dia passara por perto do tal muro segurando comida, mas um dos soldados a confundiu com um rebelde e atirou nela. Alfonso tentara ser forte e ainda tentava até hoje. Mas, com as crises econômicas, não vinha tendo uma vida muito boa ali, sempre pensava em como pôde chegar a tal ponto o socialismo. Aleixo bebericou do café.
 “O que será?” perguntou Aleixo, em seu alemão de dar inveja, sobre os tremores.
 Alfonso foi até a janela para espiar a rua de pedra de sua casa. Nada além de uma fina névoa estava diferente. Um ou dois carros passavam normalmente, mas os tremores continuavam.
 “Não sei, vou até a praça, saber o que está acontecendo.” respondeu o pai.
 “Vamos com você!” em uníssono, Abelardo e Aleixo se auto convidaram.
 Vestiram grossos casacos e saíram para as ruas, todos duvidosos sobre o que encontrariam. Caminharam por pouco tempo, até avistar ruas lotadas de gente que corria para a mesma direção.
 “Fim ao socialismo!” gritavam uns, “Liberdade de expressão!” gritavam outros, mas todos gritavam sorrindo, sem exceções. A família alemã ficou parada assistindo enquanto todos aqueles homens e mulheres corriam e corriam para um lugar que Abelardo, Aleixo e Alfonso não tinham a menor ideia. Até que, correndo feito um maluco, Alfonso encontrou um velho amigo, segurou-o pelo braço e perguntou meio tenso:
 “Para onde vocês todos estão indo? O que está acontecendo?”.
 O homem olhou-o como quem olha um louco.
 “Meu velho, estamos indo para a salvação! Conseguimos quebrar o muro! O muro!” gritou e logo reiniciou a corrida, deixando a família pasma.
 Alfonso olhou para Abelardo, que retribuiu o olhar e olhou para Aleixo, que olhou para o pai. Depois os três começaram a correr junto com a população, juntos e sorrindo. Um homem no meio de uma rua próxima ao Muro de Berlim estava distribuindo picaretas, pedras grandes e alguns martelos para as pessoas que, após aceitarem, logo foram derrubar o muro. Alfonso pegou uma grande pedra, assim como os filhos. Chegaram ao muro gritando de felicidade e xingando os políticos do socialismo real. Cada um pegou sua pedra e começou a violentar o muro com força. Abelardo escalou o muro e ajudou um ferreiro a fazer um buraco completo no meio daquele que havia dividido dois sistemas. Não haviam defensores ali, só os rebelados. O muro foi caindo, aos poucos, destruído por milhões de moradores enfurecidos com a falta de liberdade no país.
 Eles sabiam que estavam mudando o curso da História, mas pouco se importavam. Eles apenas queriam ter liberdade, apenas serem livres. Não queriam mais ser obrigados a ficar calados, nem a ficar sem comida ou salário. Eles batalhariam, mas agora livres, e não dependentes do Governo.
 Ao anoitecer, os três homens voltaram para casa segurando um pedaço do que fora o muro, e o quebraram no chão, até ficarem em pó. Viam muitos repórteres entrevistando algum morador ou moradora e todos sorrindo pulando.
 Alfonso voltara para casa, sabendo que sua vida iria mudar, mas mudar para melhor. Iria com os filhos o quanto antes para a parte capitalista da Alemanha, fugir daquilo, apenas fugir. Ele não seria explorado novamente e viveriam, talvez, uma vida digna e justa. Ele iria poderia trabalhar para se sustentar, poderia ter um pouco de descanso em relação a crises. Enfim, poderia muito.
 Mas, o melhor de tudo, era que agora, não estaria mais calado.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

As Diferenças Como Elas São

Diferenças e diferenças
Oque fazem neste mundo?
Não importam as crenças
Temos que aceitar as diferenças
 
Gordo ou magro
Alto ou baixo
Menino ou menina
Tanto faz, falta de respeito, não mais
 
Pensando e refletindo
Os pecados vão sumindo
Num mundo de diferenças
É bom a convivência

O mundo é feito de diferenças
E com elas temos que aprender
Pensemos nas pessoas diferentes
Que, por causa do preconceito, vivem a sofrer


#RedaçãoEscolar                     
Autores: Matheus Rocha, Augusto Borges e Lucas Henrique

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Um Toque de Magia

 Ligou o gramofone devagar e escolheu um disco com o som baixo. O avô dormia calmo, no andar de cima, e a acompanhante estava lendo ao lado dele. A garota escutou a música clássica que tanto amava enquanto tirou um livro da estante poeirenta da casa de seu ancestral. Caminhou com pequenos pulos no ritmo da música com o livro no braço, indo para o sofá já velho. Alisou o vestido cinza e abriu o livro, abriu a porta para a imaginação.
 Amelie sempre gostara de livros e tudo o que se relacionava com a antiguidade, amava as batalhas históricas, lutas de espada, liças e mais liças, livros e mais livros. Amava a arquitetura gótica do feudalismo e amava fingir ser uma senhora feudal. Amava a dança e a música clássica, fazendo piruetas, saltos e mais saltos, músicas e mais músicas. Era uma garota diferente, porque tinha uma vida diferente.
 Ela ficou ali, no sofá, com seu livro, por alguns minutos até que seu avô acordasse. Ela o amava com todas as forças, até porque era necessário ter força. Subiu as escadas de madeira passando a mão pelo corrimão cheio de poeira. O vestido flutuava enquanto subia apressada. Virou no corredor e abriu a porta do quarto onde o avô a pouco dormia.
 Era um quarto grande, com poucas cores, mas muito aconchegante. A cama ocupava o meio do aposento e uma grande estante dividia a parede oposta com uma lareira. A escrivaninha que Amelie usava para escrever poemas era junto da cama e a poltrona da garota que acompanhava seu avô fora colocada ali depois do acidente. O velho homem estava sentado na beira da cama e os olhos da acompanhante haviam deixado o livro para prestar atenção no velho.
 Amelie entrou no quarto, com seu vestido a voar, e sorriu para a mulher que ajudava, depois sentou-se ao lado do senhor.
 “Vô? tudo bem?” perguntou, docemente.
 O homem levantou.
 “Vamos, Jullie, vamos! Temos que achar, temos que achar!” respondeu, gritando.
 Não era a primeira vez que ele a confundia com a avó e nem seria a última. O velho percorreu o quarto, andando em círculos, abrindo gavetas e armários enquanto Amelie e a outra mulher tentavam o acalmar.
 Quando era pequena, Amelie fora viajar com seus pais e sua avó. A viagem terminou em tragédia: o carro havia caído num lago e sua avó a salvou da morte, mas não salvou os pais dela nem se salvou. O avô tivera que cuidar da pequena criança avoada, e o fez com esplendor. Levava a garotinha para parques, a ensinava a jogar xadrez e jogos antigos, a educara como uma dama, falava de sua esposa e os pais da garota, ensinava coisas sobre nuvens e sobre a água. A garota o amava com todas as suas forças. Ele sempre enchera aquela casa velha com sua animação. Até que a doença do mal de Alzheimer foi dando sua cara.
 No começo fora mais difícil, sempre que ele surtava. Amelie não sabia o que fazer e ficava chorando trancada em seu quarto, enquanto ele quebrava coisas ou gritava para o além sobre sua Jullie. Esquecia quem era Amelie e quando a via rindo ou fazendo outra coisa alegre, se convencia que uma louca havia invadido sua casa. Já tentou atirar com sua espingarda numa caixa de brinquedo, dizendo que havia um assassino ali, mas só tinha um palhaço de plástico. A espingarda fora tirada das mãos do homem e trancadas num cofre da casa. A vida de Amelie deveria ter ficado negra, mas ela esforçava-se para lembrar dos dias coloridos que tivera com o homem. Sempre subia as escadas de madeira e tentava acalma-lo.
 “Jullie, achamos! Achamos, Jullie!” gritou, eufórico segurando uma lâmpada que ainda brilhava. “Queima!” falou, antes de jogar a luz no chão.
 A luz do quarto apagou e tudo o que Amelie queria era sentir o seu avô a abraçando e ouvi-lo falar que tudo ia ficar bem. Queria que ele falasse que tudo o que acontecera era uma brincadeira, apenas uma brincadeira. Que seus pais não haviam morrido, que ele nunca tivera Alzheimer. Queria ouvi-lo falar de nuvens, de física e matemática, de mágicas, muitas mágicas. Toques de mágica. Queria ouvi-lo falar sobre o escambo e a História. Queria ouvi-lo falar que a entendia.
 Amelie apenas sussurrou o quanto amava o avô, enquanto recolhia os cacos da lâmpada, para depois colocar o avô para dormir.

-Para: Nina (:

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Um Velho Amigo Zelador

...Mas não, não podia desistir.
 Já haviam passado dois meses desde que Dom tentara se apresentar a sorridente dona da biblioteca. O homem desconhecido revelou-se ninguém importante na vida de Jhoenne. Ela não usava aliança e o homem nunca vinha visita-la. Dom agora tinha receio, mas a coragem ainda estava armazenada em seu interior.
 Disseram para ele que, no mesmo setor de Jhoenne, encontraram dois ratos vagueando pelo banheiro. Dom fora dedetizar, com mais dois ajudantes. Os garotos eram jovens e podiam se abaixar bruscamente, se esticar em cantos mais altos, coisas que o velho não conseguia fazer. Terminara o serviço depois de um longo tempo, pois descobriu que, em vez do banheiro masculino, os ratos estavam no feminino. Quando saíram do longo corredor que levava ao setor, não encontraram uma alma viva perambulando pelo centro comercial. Encontraram o setor vazio, com os gerentes e donos de lojas organizando suas coisas e se encaminhando para a casa de cada um. Não tinha chance de Jhoenne estar na biblioteca, pois ela sempre, sempre saía cedo.
 Largou o carrinho de limpezas ao lado da porta de funcionários e caminhou em direção à porta de saída, que ficava do outro lado do salão-que-refletia. Olhou para as lojas, quase todas com as luzes desligadas e encontrou uma floricultura e uma biblioteca ainda com as luzes ligadas. Tentou ajeitar sua postura, que era um tanto curva, e mexeu em seus bolsos, agora com outro caminho em mente. Encontrou no fundo de um de seus bolsos algumas notas de dinheiro e suas pernas apressaram-se eufóricas, com o calor que enchia o coração do zelador.
 A lojinha de flores era pequena, mas um tanto maior que a biblioteca de Jhoenne. Flores enchiam todas as prateleiras, com cores desde o branco até o preto, desde o plástico até a realidade, desde as belas pétalas até o exuberante cheiro que exalavam. A loja era pintada em branco e verde, e um pequeno lustre floral no teto iluminava todo o local. A lojista era um ruiva, adulta, com sardas numerosas enfeitando o rosto. Os olhos verdes apreciavam um copo-de-leite com admiração, quando o velho Dom se aproximou, com seu jeito desajeitado de ser.
 “Não sei se eu posso... Nessa hora, ou com esse dinheiro... Mas... Vim com todo meu coração aqui para comprar uma de suas flores. A mais bela que tiver” mostrou o dinheiro e falou o velho, com receio de negação direta.
 A florista levantou a cabeça lentamente com um sorriso carinhoso, lançou um olhar aconchegante e saiu do balcão, passando por prateleiras e prateleiras. Voltou com uma única flor, com pétalas azuis e sem espinhos, o cheiro dela era um perfume suave que enchia as narinas de Dom. O velho encolheu os ombros, com tristeza.
 “Essa flor vale muito mais do que eu tenho, tem certeza que não tem uma que eu consiga comprar?” cabisbaixo, Dom mostrou novamente o quanto tinha, balançando com fraqueza a mão com o punhado de cédulas na frente da florista.
 “Com certeza ela vale muito mais do que você tem. Eu consigo ver você, sabia, Dom? Fale com a Jhoenne, por favor.” Sorrindo, a florista entregou a flor a Dom, que a aceitou com a testa franzida. A flor era delicada, suave e um tanto úmida, assim como sua Jhoenne.
 “Eu pagarei, com o dinheiro de meu trabalho, lhe pagarei.” prometeu o velho, deixando o dinheiro em cima do balcão e saindo da loja apressadamente, para encontrar sua Jhoenne, na loja do lado.
 Atravessou a porta de vidro com alguns enfeites florais e virou a direita para entrar na biblioteca. Deu de cara com a dona do local e, por pouco, não se esbarraram.
 “Oh! Senhor, o centro já está fechando.” ajeitando a bolsa em seu ombro e olhando para a flor que Dom segurava com força, falou Jhoenne.
 Dom trocou o pé de apoio e estendeu a planta azulada. Pensara nesse momento trinta e seis anos de sua vida. Jhoenne olhou assustada para o velho zelador que tentava a conquistar.
 “Faz anos... F-faz anos que eu trabalho aqui, desde quando você era jovem e essa biblioteca era tão famosa quanto esse próprio centro.” Começou a falar, com lágrimas nos olhos, o velho homem. “Sempre a observei e cultivei algum tipo de amor dentro de mim. Você sempre foi linda e eu sempre apaixonado. Tinha medo que alguém a tomasse... A tomasse de minha imaginação infinita. Tinha medo que tirassem você de mim.” Jhoenne olhava agora com a mão na boca, com seus lindos cabelos grisalhos atrás da orelha. “Sou um pobre zelador, mas meu coração não aguenta mais ficar longe de você. Eu não aguento mais ficar longe de você. Eu amo você e amo sua biblioteca, amo seus cabelos e os seus livros históricos. Amo o seu balcão, amo as sinetas de sua porta, amo o tapete poeirento da biblioteca, amo suas orelhas e seus olhos. Eu amo você e especialmente você.”
 Jhoenne deixou a bolsa cair até o seu antebraço, pois seus braços agora estavam caídos, em surpresa. Estendeu a velha mão e pegou a flor. Olhou no fundo dos olhos de Dom e se pronunciou.
 “Eu também te observo, Dom. Eu também te amo.”


-Para: C. (:

Crítica: A Mulher de Preto

O filme A Mulher de Preto foi o filme escolhido para essa crítica. A Mulher de Preto, filme de James Watkins, é a história de suspense do advogado e pai Arthur Kipps (Daniel Radcliffe), um londrino, que vai até a pequena vila de Crythin Gifford para tratar de assuntos do escritório sobre o antigo dono, que recentemente havia falecido, da Casa Eel Marsh. Em dias que Arthur passava a trabalhar na mansão, via uma mulher toda vestida de preto, e assim, foi aos poucos desvendando o mistério daquela cidade.
 O filme, em sua história, é razoavelmente bom. Tem o clima que todo filme de suspense necessita, a luz fraca e assombreada, barulhos estranhos e fantasmas perturbadores. Não há dúvidas que Daniel fez uma boa atuação, porém o filme tem suas falhas, pelo menos a meu ver.
 O filho de Arthur, Joseph (
Misha Handley), é deixado com a babá (Lucy May Barker), que em todo o filme é uma personagem invisível e não é dada atenção suficiente a ela, principalmente no fim do filme.
 O que mais me indignou foram os gritos que a Mulher de Preto produzia, que, devido ao casaco no meu olho, não me assustava. Me lembrou bastante de O Exorcista, o que me fez vir aqui criticar. A Mulher de Preto assombrava enquanto não aparecia, pois, quando a via, me vinha uma vontade de rir. Os bonecos de dar corda do quarto de seu filho eram bastante assustadores, mas do mesmo jeito hilários.
 Toda a vila se resume a três cenários: Uma rua, onde Arthur vira os pais tentando proteger suas crianças, a rua do escritório e o caminho que levava até a Casa do Pântano. Talvez o filme que eu assistira, por ser dublado, tenha sido pior que o legendado. Por algum motivo, colocaram a voz de Harry Potter no Radcliffe novamente, lembrando-nos do adolescente bruxo que ele atuava e isso não evoluiu nada a longa.
 O final deixa o interlocutor bastante confuso e nada menos do que frustrado, pois, sem um sentido óbvio, não se conta o que aconteceu depois. Nem o que aconteceu com a Lucy Barker, nem se a Mulher de Preto parou com sua matança, nem como o Mr. Daily (
Ciarán Hinds) acabou na história.
 Mesmo com essas  observações, A Mulher de Preto é um filme que assustara minha tarde sem dúvidas.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Tudo o Que Ele Queria

 Tudo o que ele queria era que as pessoas o entendessem, o achassem legal, gostassem dele.
 Sua família era dividida, dois mundos entre uma e outra. Os pais eram separados e vivia com sua mãe, que sempre o educara normalmente. Era o filho mais novo e, sendo assim, dizia-se que era o mais adorado. Isso não era verdade. A maior parte da família idolatrava o filho mais velho como um crente idolatra seu deus. O pai não lhe dava mais do que a atenção necessária e sempre que ele tentava fazer algum esporte e desistia logo depois, ouvia muito a expressão “mais perda de dinheiro”. O mundo não era mais aquela felicidade, como antes. Chorava raramente, mas chorava. Pensava em tudo, pois ele tentava reprimir a raiva, mas acabava guardando-a. Era nervoso, mas muito inteligente. O seu coração vivia apertado e sua cabeça sempre em algo que tinha esquecido ou no quão a vida era inútil. Afinal, a vida era inútil. Você a vivia vivamente até que morria sem mais nem menos. Ele não gostava da vida, mas tinha que vive-la. Levantou a cabeça para o mundo, ocultando-se novamente com sua máscara irônica e andou, para viver a vida e quem sabe em um dia, morrer sem mais nem menos.

Personalidades Diferentes

 Por que o mundo tem tantos problemas? Por que não conseguimos respeitar o próximo? Por que, às vezes, somo tão injustos? São perguntas que, para alguns, não possuem respostas. Cada pessoa é diferente do outro no jeito de pensar, agir, se expressar, cada pessoa tem uma personalidade diferente.
 No dia-a-dia, deficientes, pessoas acima ou abaixo da média de peso, pobres, mendigos, tímidos, negros e homossexuais vem sendo humilhados e/ou brutalmente violentados. Nas escolas, chamam a prática de bullying, nas ruas, de racismo ou discriminação, mas isso é simplesmente falta de respeito ao próximo e falta de conhecimento para lidar com as diferenças. O mundo é feito de diferenças e com elas temos que aprender! Muitas pessoas já sofreram, temeram, se esconderam e até mesmo morreram por causa do racismo! Já é hora de acordarmos, amadurecermos para o mundo, pois nada ganharemos discriminando e desprezando os outros.
 Por que o mundo tem tantos problemas? Por que não conseguimos respeitar o próximo? Por que, mas vezes somos tão injustos? São perguntas que, para alguns, não possuem resposta. Porque o mundo tem suas diferenças, suas religiões, seus problemas, suas raças. Ninguém é igual ao outro exatamente. Então criamos mais outra pergunta; uma pergunta qual a reposta está em nossos olhos, mas não enxergamos: Como conseguiremos nós superar a difícil arte de viver com as diferenças? Simples. É só respeitar.

#RedaçãoEscolar

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Zelador Invisível

O chão do saguão estava brilhando em sua grande parte, refletindo as pessoas, suas sacolas de compras, e todas as lojas, colunas e lixeiros do centro. Mas, de novo naquele dia, um garotinho resolvera melar seu chão com vômito.
Dom, o idoso zelador, caminhava em passos lentos com seus equipamentos de limpeza em direção ao estrago. O garoto chorava no colo da mãe, sentados em uma mesa próxima. Era um menino de cinco ou sete anos, com lisos cabelos negros e olhos azuis como o céu. A mãe era ruiva dos olhos azuis, e usava todo tipo de joia que alguém poderia imaginar. O vestido dela, longo, estava melado pelo sugo verde minimamente, mas a mãe estava cuidando do filho, sem se incomodar com o vestido sujo. Dom começou a lavar o piso com a habilidade que adquirira com os trinta e seis anos de profissão. Olhou para o chão do lado, brilhando, e viu que ele refletia a pequena biblioteca da senhora Jhoenne. Parou de limpar o piso, por um instante.
Jhoenne era a mulher mais linda que Dom já vira um dia. Mesmo com seus cinquenta e oito anos de idade e seus cabelos já grisalhos, ela o encantava, transformando-o em um adolescente no colegial novamente. Sempre que ela discutia com seus clientes sobre livros épicos, históricos e até mesmo alguns que descreviam arquitetura, seus olhos brilhavam de alegria. Ela amava o seu trabalho, assim como o velho Dom.
Sempre tentara reunir coragem para entrar na biblioteca e conversar com a senhora, ao menos um “olá” já iria fazê-lo feliz. Precisava sentir-se do outro lado da vitrine, ouvir sua voz, sentir seu perfume e tocar em sua pele. Mas nunca conseguira reunir coragem para tanto. Observava-a de longe, quando passava por aquele setor. Observava, com um certo ciúme, os outros idosos que visitavam a biblioteca, mas eles nunca faziam nada mais do que comprar livros grossos e poeirentos.
Terminou de lavar o piso rapidamente e se encostou em seu rodo de limpeza. Olhava todo dia para aquela biblioteca e sua dona. Sempre atento a qualquer ação importante que acontecesse, ou uma oportunidade para se apresentar. Não tinha ninguém na biblioteca no momento em que reuniu vontade para ir até lá, de cabeça baixa.
O carrinho de limpeza fazia o barulho de sempre enquanto ia, devagar, em direção à biblioteca pequena e velha de Jhoenne. Mas, dessa vez, fez um som alto o suficiente para chamar a atenção de Dom, uma das rodas estava solta. Ajeitou-a rapidamente e continuou sua caminhada, em direção ao amor de sua vida. Olhou novamente para a biblioteca. As sinetas da porta cantaram sua música quando outro homem, de mais ou menos a mesma idade de Dom, adentrou na biblioteca, ficou junto ao balcão e roubou um beijo da doce Jhoenne. Dom parou de repente, com o coração apertado e os olhos molhados, cheios de lágrimas. Lançou um olhar angustiado para Jhoenne, que olhou rapidamente para o zelador idoso. Dom desviou o olhar, abaixou a cabeça e foi para outro lugar, onde algum garoto de cinco ou sete anos estaria vomitando novamente...

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O solitário.

 Desamarrou os sapatos e jogou-os em qualquer parte da cobertura daquele prédio, antes de se aproximar da ponta do edifício. O paletó balançou com força por causa do vento que emanava daquela altura. Os cabelos escuros e sedosos do executivo estavam agora em frente ao seu rosto, em movimento infinito. Afrouxou a gravata com a mão direita, e com a esquerda conseguiu tirar o paletó. Já tinha se decidido sobre aquilo.
 A pouco, fechara uma reunião de negócios, de grande importância, a seu favor. Sempre fora assim, fazendo com que os outros mortais o obedecessem, menos sua mulher, por quem ele fora apaixonado. Até que ele descobriu que ela o havia traído.
 Foi em um dia de festa, quando ele chegou em casa mais cedo e a encontrou com outro em sua cama. Expulsou os dois, sem demora, mas chorara depois, como nunca havia chorado, ela era a única pessoa que o tratava diferente. Mas ela se revelou uma mulher sem sentimentos, depois de lutar pela guarda do filho na justiça e ter ganhado, nunca dirigindo a palavra a ele.
 Alguns cascalhos caíram pelo prédio e bateram na rua em alguns segundos. Deu um passo para o vazio pensando em seu filho, um garoto de oito anos com os cabelos do pai e as orelhas da mãe, como todos diziam.
 Era forte como um touro, o seu filho, mas magricela, como todos os outros de sua idade. Brincavam de bruxos, jedis, super heróis, e.t.s e milhões de outras brincadeiras. Até que ele foi levado pela mãe. Sua casa ficara vazia, solitária. Sua vida ficara vazia e solitária. Não tinha mais o seu parceiro de duelos, nem seu adversário no xadrez, não tinha mais o seu filho, o seu campeão.
 Inclinou-se para o precipício, com as mãos tremendo, e pensou em seu filho, um garoto de oito anos com os cabelos do pai e as orelhas da mãe, como todos diziam.
 Em seus quatorze anos, o filho do executivo já não dava atenção ao pai, ignorava-o. Chamava-o pelo nome e ao seu padrasto chamava de pai. Isso cortava mortalmente o interior do suicida, sempre que ouvia. Mas, mesmo com a ignorância, o garoto era seu filho, o seu campeão. E, em um dia feliz e alegre, seu campeão fora atropelado brutalmente, ficando paraplégico e em estado de coma. Depois de uma semana em coma, o garoto não resistiu às dores e faleceu. Fora o pior dia da vida do executivo.
 O vazio engoliu-o por alguns segundos depois do pulo, mas, como os cascalhos, atingiu a rua rapidamente.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Gatinha, Onde está Você?

“- MANO, ME DÁ TEU CASACO!” gritou a garota de longos cabelos com cachos dourados.
 Ele riu, por mais que não tenha sido a hora. Ela era realmente magnífica, sempre animada e com piadas na ponta da língua. Ele já fora apaixonado por ela e podia voltar a ser a cada segundo. Ela o encantava, pulando no meio da sala, colocando o casaco velho de Star Wars e sorrindo para todos. Mas sempre tem uma hora que a fantasia acaba.
 Estava agora na sala fria e úmida de outro colégio, longe o bastante para não se verem mais. Ela, junto com todos os outros, estava se dissolvendo em sua memória, pois não se viam, nem se falavam tanto quanto antes. Mas ele persistia, era importante. Ela era um mundo, mesmo que ele não girasse em sua órbita. Ela era luz, calor, ela era amiga. Sempre sorria quando via-o, ou as vezes chamava-o de idiota.
 Ele riu de novo com as lembranças.
 Ele já fora apaixonado por ela e podia voltar a ser a cada segundo com o jeito dela de ser, ou com as lembranças. Sim, as lembranças. Eram o que não faltava. Passaram anos se aguentando um ao outro e, por algum motivo, isso soava meio hilário. Sim, eles se amavam, mas não como um amor passageiro, eles se amavam como ninguém jamais poderia se amar igual. Pois eles eram amigos e se amavam como amigos.
 Agora ela estava em outra sala fria e úmida de outro local, onde ele não poderia imaginar. Estavam longe, longe o bastante para não se verem mais.


-Para: Thayná Moraes.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Sexta-Feira

 Meus amigos que trouxeram aquela fantasia para mim.
 Estava horroroso, sem mais nem menos. Me colocaram numa roupa de jedi, sim, um jedi. Pensei que ia ficar muito legal, mas era apenas um pano bege, a fantasia. Nem o sabre-de-luz tinha! Enfim, tive que vestir.
 O carnaval naquilo que chamavam de colégio era no mínimo sem necessidade. Praticamente ninguém iria vir fantasiado e iria ficar dançando frevo, muito menos samba. A escola era pequena e possuía muitos alunos. Mas tudo bem, não sou tão anti-social ao ponto de ficar de fora, não é mesmo?!  Enfim, levei meu próprio sabre-de-luz verde de casa e amarrei-o com um cinto a fantasia. Cheguei tarde, praticamente atrasado, à primeira aula. Meus amigos já estavam fantasiados e algumas das meninas também. Tinha um com mascara de Pânico, outro fantasiado de Woody, de Toy Story, outro vinha de pirata, ou era a intenção, e outro de Yoda, como tínhamos combinado. As meninas continuavam com as fantasias de sempre: Chapeuzinho vermelho, vampira, pirata e outras fantasias comuns. As aulas foram rápidas, até que o meu tempo inteiro ficou em “câmera lenta”. A garota dos meus sonhos entrou na sala, fantasiada de abelha (outra fantasia comum). Cumprimentei-a quando passou por minha fila, mas logo a distância me calou para ela.

 Logo as aulas acabaram para a “liberação” dos pirralhos. Eu era um deles, claro. Na quadra, as pessoas pulavam ao som de músicas do carnaval e, da cantina, eu me perguntava o que eles tinham na cabeça. Mas minha abelhinha não estava na quadra, estava do meu lado, falando comigo sobre jogos e que o carnaval não era lá uma festa muito animadora para nós. E ela estava de mãos dadas a mim.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A música.

 A música enchia seus ouvidos enquanto caminhava no ritmo da canção. O movimento da rua era intenso e na linha da direita a fileira de carros estava parada, mas a outra fileira seguia o ritmo naquela manhã com ferocidade. A música parou, e logo começou outra. Folhas vermelhas do outono caíam levemente, dando um clima teatral àquela rua. O garoto continuou andando, com o pesado rock em seus fones. Os pés começaram a acelerar o passo após ver o horário no relógio: estava atrasado. A bolsa já pesava quando entrou na rua da escola. Logo estaria em frente da faixa, e chegaria no colégio, com Foo Fighters em sua cabeça. Enxotou rapidamente uma folha morta com os pés e avistou uma garota vindo do outro lado da calçada. Que incrível pensou , vamos parar em frente da faixa ao mesmo tempo. E foi o que aconteceu. Ela não sorriu para ele, apenas deu uma olhada e o reconheceu. Não se conheciam exatamente, mas se admiravam, cada um com seu jeito excluído de ser. Ela abaixou o boné, demonstrando que não queria conversa. Os carros pararam e os dois atravessaram, um de cada lado da faixa de pedestre. O roqueiro mirim acelerou o passo, tentando evitar qualquer aproximação, mas foi inútil. Ao passar pelo portão, os dois se olharam. Um olhar, apenas um olhar.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Era uma bomba.

 Uma bomba explodiu em cima de mim sem avisar quando ia chegar.
 Estávamos em guerra e todos tinham que ir a guerra, ou pelo menos eu fui. Meus pais e minha família se separaram de mim e eu peguei em uma metralhadora pela primeira vez. Quando entramos em campo de batalha, meu parceiro e eu nos destacamos pela ferocidade, passando arrasadoramente pela tropa inimiga. De noite, todos os soldados que se destacaram ganharam uma medalha, fui um deles. Mas na manhã já era guerra de novo e dessa vez foi mais pesado. Meu parceiro morreu com um tiro na barriga em que não foi possível a cura. Mas nós ganhamos sim. De noite: mais guerra. Não parávamos de lutar. O barulho de tiros era meu vizinho e os de bomba meus parentes. Mas nós ganhávamos todas as guerras, noite e dia, dia e noite. Meu capitão morreu, meu cavalo morreu, milhares de soldados morreram, milhares de cavalos morreram e o coelhinho que passava no campo quando a guerra começou também morreu, mas nós sempre ganhávamos.
 Até que uma bomba explodiu em cima de mim sem avisar quando ia chegar.

O Homem sem Nome

 À luz dos archotes e lanternas, vi o grande homem surgindo em meu campo de visão e trazendo consigo um chicote, que, de tão grande, se arrastava no chão. Já tinha perdido a sensibilidade das minhas mãos há tempos. Meus olhos já não enxergavam com clareza os que me rodeavam. O grande feitor se aproximou e xingou-me, cuspiu-me, e se encaminhou para as minhas costas nuas, marcadas por linhas vermelhas de sangue. Olhei o público que me assistia: homens e mulheres conhecidos e nem tão conhecidos assim, crianças, entre elas minha pequena Shaira que me olhava com lágrimas nos olhos. Na primeira chibatada, minhas mãos mexeram-se nervosamente, incapazes. Minha doce poetiza olhou-me uma última vez e saiu correndo para a senzala. Eu não a culpava.
 7 chibatadas.
 Estava novamente em minha terra natal, uma pequena aldeia ao sul da África em que todos viviam harmoniosamente. Lembrava-me do sacerdote mais velho que vivia dançando para cá e para lá, orando e fazendo os outros orarem. Lembrava-me de Alika, minha mulher, que cuidava de nossa casa e afiava sempre minha alabarda. Então vieram os ataques das outras aldeias, que com coisas pretas recheada de pólvora nos matavam rapidamente.
 18 chibatadas.
 Eu, Alika, Shaira, meus irmãos e os de Alika fomos tomados escravos, assim como os sobreviventes de nossa tribo. Nunca mais vi o sacerdote dançante.
 Todos esperávamos ser levados à alguma aldeia inimiga, e até estávamos um pouco conformados com isso. Até que os gewapende mans, como passamos a chamar os invasores, pastorearam-nos para a costa africana. Homens vestidos com longas batas e outros com coletes de couro nos receberam com brutalidade. Fui obrigado a assistir à violência que eles praticavam com meu povo quando não seguiam ou não entendiam suas ordens.
 29 chibatadas.
 Gritei agonizando. Era muita dor. Shaira não tinha voltado para me ver, e alguns dos meus companheiros se retiravam para suas duras e frias camas de palha.

 Na África, nós fomos guiados pelos homens de túnicas para os barcos que flutuavam no mar azul-esverdeado, atracados a grandes estacas num pequeno cais. Abraçado a minha filha e segurando a mão de minha mulher fomos trancados lá dentro, num pequeno salão, junto com outras tantas pessoas.
 40 chibatadas.
 Todos murmuravam naquele porão que iríamos morrer, que eles nos dariam a cães, ou até mesmo que nos colocaram ali para matarmos uns aos outros.
 A comida só chegava quando a fome já atingia um estado crítico. Eu e Alika tirávamos sempre um pedaço de nossa comida para acrescentar ao bolo da comida de Shaira. O fedor ali era intenso, não há forma para se descrever tão cruel realidade. Vi amigos morrerem de doenças que brotavam do nada e levavam as almas pobres dos homens da mesma forma que chegaram. E foi dessa forma que minha linda e preciosa Alika faleceu nos meus braços... e nos de nossa filha.
 54 chibatadas.
 O resto da viagem foi traumatizante. Minha filha foi levada, junto com o corpo da mãe, por um homem bruto que a fez assistir enquanto jogavam minha mulher nas águas do mar, pelo menos foi isso que minha pequenina me falou. Juntos, vimos homens, mulheres e outras crianças morrerem, a cada dia. Escutávamos os homens rindo lá de cima, quando viam um negro morto. Outros cuspiam em nós. O ódio era um dos meus melhores amigos ali. 67 chibatadas.
 Só restaram algumas dúzias de nós. A discórdia pairava sobre as nossas cabeças., não era tão fácil convivermos, estávamos todos acabados, destruídos, perdidos. E foi assim, em dia que nós já não sabíamos qual era, o navio negreiro lentamente parou. Escutávamos silenciosamente do porão gritos de homens expressando ordens e ajudando no descarregamento das mercadorias do navio. Em seguida foi a nossa vez de desembarcar. Os homens de túnica nos levaram  para um local cheio de outros homens poderosos e ricos, o mercado. E foi daí que eu, minha filha, e metade dos nossos fomos vendidos para um dos senhores de engenho ali presentes. Foi nessa hora em que minha vida acabou.
 80 chibatadas.
 Voltei ao presente, levantei a cabeça e olhei novamente para o público. Shaira estava ali, olhando para mim, chorando desesperadamente. Ao seu lado, como uma luz brilhante, estava Alika. Linda, esperta e serena, como sempre foi no passado. Minhas mãos agora estavam soltas e minhas feridas curadas. Andei em direção a minha família, dei um beijo na testa de minha filha, e caminhei junto de Alika para um mundo que nenhum vivo conhece. Um mundo de paz.
 Nenhum chibatada.


#RedaçãoEscolar

Helena, de Tróia

Olhou para trás, colocando seu ombro na cadeira, para observar a garota que todos chamavam de Helena, de Tróia. Sim, ela era linda, não havia dúvidas. Seu cabelo negro quase todo momento caía levemente no rosto e sempre era enxotado por suas mãos delicadas e mandado para trás de suas orelhas. O modo como ela sorria, de forma um pouco tristonha e solitária, que mesmo assim encantava a todos, inclusive a ele, o garoto mais idiota da sala, era maravilhoso. Ela olhou para ele, com seus olhos castanhos magnificamente animadores e sorriu delicadamente, aquele seu sorriso. O garoto retribuiu o sorriso, mas logo desviou o olhar, com receio de se apaixonar por algo que não possuía. Mas estava sempre a observá-la. O modo como pegava o caderno parecendo ter acabado de acordar, como dava foras nos outros alunos sem dó nem piedade, mas sempre sorrindo, o modo como passava a mão pelos braços, por causa do frio, o jeito que ela fazia para falar, movendo rapidamente a boca, o modo como lia, o modo como encarava o nada, ou as pessoas, etc. Ela era linda. Isso era um fato, e ele sabia muito bem disso. De todas as garotas, ela era a que mais o encantava, e fazia-o sair do sério e da órbita com suas piadas e seu poder de ironia. Ela era linda, e isso era um fato

-Para: Vitória Araújo.